06/07/2013

Matéria na integra do Jornal O Povo em 17.01.2012

O mês em que a onda negra invade o Centro


O cabeludo Fernando Pessoa, um dos organizadores do evento e..
O Rock Cordel, realizado pelo CCBNB, chega à sexta edição, reunindo bandas, estilos e gerações do rock

Pouco depois do meio dia eles finalmente deixavam suas casas. Na mala do carro, cases, fios e aparatos eletrônicos eram organizados como em um jogo de tetris. Precisava caber. Muito antes deste carro partir, contudo, os cabeludos quarentões, responsáveis por fazer as coisas funcionarem, já haviam rumado para o Centro, combinando as blusas padronizadas do evento com coturnos e All Stars.

... no detalhe, o vocalista da Black Masses: couro, 
coturnos e muito metal

Fotos: Viviane Pinheiro

A brisa produzida pela fonte da praça, na Rua Floriano Peixoto, amenizava o calor que abraçava Fortaleza naquela tarde de sábado. A primeira semana de festival era sempre excitante. Era tempo de ver o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) habitado por rostos nem sempre conhecidos dali.

"Tem mais trabalho, mas é um barato. De uns anos pra cá, a gente vê muita cara nova, uma galera que, às vezes, nem frequenta a cena roqueira da cidade porque os pais não deixam, mas ficam tranquilos de vir pra cá", comenta Amaudson Ximenes, presidente da Associação Cearense do Rock, um dos cabeludos quarentões. De fato, foi assim que o pequeno teatro do CCBNB - Fortaleza virou o lugar seguro para curtir um bom headbanging nas férias da escola. Mas não só isso.

Evento
O Rock Cordel reúne, há seis anos, bandas de rock cearenses em uma maratona de seis shows diários, por cerca de dez a quinze dias. Um estímulo para as bandas, uma opção para os jovens e a manutenção da tradição para os roqueiros veteranos. Este ano, os 13 dias oferecem uma programação com mais de 120 bandas, não apenas cearenses, além de oficinas de guitarra, a partir de hoje até o dia 20.

Naquele sábado, pouco antes das 13h, a primeira banda trabalhava nos últimos preparativos. Lá em cima, além do grupo está Luciano Galdino, que, de funcionário da limpeza, assume em tempos de Rock Cordel até a função de roadie. "Eu limpo, ajudo com os instrumentos e até na técnica. Dou a maior força porque é uma galera que se responde!", avalia o rapaz, animado com a maratona de espetáculos, que faz o tempo passar mais rápido no Centro Cultural.

O suporte de microfone em forma de ossos em cruz deu a deixa: "Black Masses" subia ao palco, com Heavy Metal, calças e jaquetas de couro e muitos wwaaaaaaahhhh agudos e estridentes. Lá fora, uma leva de metaleiros subia os três corredores de escadas e era recebida por Camila Alves, que colhia os ingressos.

Fernando Pessoa, o outro cabeludo, também idealizador do evento, recepcionava a próxima banda, que finalmente chegava ao local com seus cases, fios e aparatos. Para Fernando, o nível dos grupos tem impressionado. "Alguns que eu achava muito ruim no início, hoje adquiriram caráter profissional. O Rock Cordel também é importante por isso, por ser mais um palco pra essa galera se testar", defende.

Amaudson, que além de presidente da ACR é guitarrista da Obskure, criada em 1989, relembra a dificuldade de palco há alguns anos. "Você ter um lugar que te paga pra tocar com uma estrutura bacana é maravilhoso. Antes, tocávamos em barracas, associações comunitárias e, muitas vezes, pagávamos pra tocar".
Foto: Carlos "Rock"

A seleção do programa prima não só pelo nível, mas pela diversidade. "Tem os do metal, o rock clássico, essa galera mais alternativa que você tá vendo hoje e, esse ano, até banda de metal japonês, tem!", enumera Fernando, empolgado. Para ele, o segredo está em tentar agradar minimamente a todos. "Eu não curto, mas a gente coloca. Tem dias que aparece aqui uma multidão daquela galera Emo, com cabelinho arriado, assim. Eles lotam e isso é massa!".

"Black Masses" deixa o palco com elogios, tapinhas nas costas e, ao fundo, um audível: "Ai, meu Deus, quase estouraram meus tímpanos!". Ela acabara de chegar: dona Fátima, mãe de Marcelo, guitarrista da "Remains", próxima atração.

"Então, seu filho é o guitarrista?" "É, mas ele não toca esse negócio, não. O rock dele é mais levinho!", explica Fátima, categórica. A mãe coruja, sempre que pode, acompanha os shows do filho. É ela quem me apresenta a banda, que passa o som. O primeiro violão de Marcelo foi um presente da tia. Logo depois, pegou uma guitarra e tão logo estava dizendo à mãe que entrara em uma banda. "Achei que ele só estava tocando com uns amigos, não pensei que fosse nada sério". Mas era.

Foto: Carlos "Rock"
A "Remains" está com apenas três anos de carreira, mas todos os componentes, remanescentes de outras bandas, já possuem os dois pés na música. De fato, o que se vê sobre o palco é um rock alternativo, mais melodioso e comercial, além de bem mais "levinho" que o metal da banda anterior. Na plateia, uma característica intrínseca à essência do festival: muitas famílias. Parentes, filhos, mães e irmãos dos músicos, prestigiando os trabalhos.

Aconteceu em 2007. Disseram que, quem trabalhava ou circulava pelas redondezas do BNB pode ver com seus próprios olhos. E começou já naquele horário, uma da tarde. Praça, ruas, porta de entrada do Centro Cultural, tudo naquele entorno foi tomado por uma onda negra, que parecia vertida da fonte, no centro da praça. Imagine só. Quando, meses antes, em setembro de 2006, o CCBNB abriu as inscrições para o edital de ocupação do ano seguinte, a ACR, que já contava com o apoio do banco no patrocínio ao ForCaos, resolveu tentar um projeto de shows com bandas de rock cearenses. Foi o pontapé de que Fernando Pessoa, na época funcionário do CCBNB, precisava para convencer a equipe a investir em um evento de rock, como queria fazer há algum tempo.

Explosão
Assim surgiu a ideia de uma programação com bandas cearenses que ocorresse nas férias, para aproveitar o público estudante. E no primeiro dia, propositadamente, os cabeludos Amaudson e Fernando selecionaram só as "pancadas": Heavy Metal na veia.

Não deu outra. Ao chegar no trabalho, Fernando não acreditou no que viu: o Centro Cultural estava tomado de blusas e calças pretas; coturnos, botas, moicanos; batons e sombras negros. Cabelos enormes e vermelhos, loiras platinadas com roupas rasgadas, cintos e correntes de ferro, além de cigarros e muita bebida, mas do lado de fora, já que o local não permitia. Uma legítima onda pauleira, que assustou até os comerciantes.

Mas ao contrário do que se podia pensar, foram dias tranquilos e sem grandes incidentes. Ao fim da primeira edição, o diretor-geral do espaço chegou a reunir os funcionários para parabenizar a equipe pelo case de sucesso que havia sido o Rock Cordel.

Quando a tarde cai, a famosa onda negra ainda pode ser vista, todos os anos. No primeiro dia desta edição, na última quarta-feira, não foi diferente. Camila Alves, a moça dos ingressos, tem uma proposta a respeito: "Já disse que devíamos fazer a eleição do garoto e da garota Rock Cordel. Eu tenho a ideia toda na minha cabeça: vai selecionando por dias, só os ´figuras´, aí no final deixa eles votarem! Um sucesso", prevê.

A tarde vai caindo e no palco há mais uma banda alternativa: camisas de lona xadrez e óculos new age na plateia. Lá embaixo, no entanto, umas roupas pretas começam a preencher as cadeiras. Deve rolar metal dali há alguns instantes. Do lado de fora, o carro popular está estacionado na vaga de táxi. É só o tempo de, mais uma vez, os componentes da "Remains" conseguirem jogar tetris com cases, fios, pedaleiras e os pedaços da bateria. No hall, uma garotinha de meses, trajando um vestidinho amarelo, cruza, aos passinhos, as exposições do BNB.

E por mais que se divertisse, voltava para o pai, interessada em catar com os dedos minúsculos as grossas cordas do contrabaixo, encostado na parede. O futuro da música, quem vai ninguém saber? Mas a imagem do baixista com o instrumento em uma das mãos e a filhinha na outra, traz esperanças. Faz pensar que, talvez, no XX Rock Cordel...

Mais Informações
VI Rock Cordel. Até 28/01, no CCBNB-Fortaleza (R. Floriano Peixoto, 941) e no Centro Dragão do Mar. Grátis. Oficinas de guitarra com Pilho e Paulo Boizer (Guitartrix), de hoje a 20/01.

Contato: (85) 3464.3108

MAYARA DE ARAÚJO REPÓRTER 

Link da matéria:http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1094477